Brain Rot: a podridão cerebral, podemos vencê-la?
- 10 minsBrain Rot: a podridão cerebral, podemos vencê-la?
Depois de um bom tempo desde o meu último post, me senti especialmente compelido a escrever sobre aquela que foi eleita a palavra ou expressão do ano de 2024: ‘Brain rot’. Há poucos meses, fiz uma palestra para o corpo docente da minha escola sobre o problema do celular em sala de aula e vários de seus impactos na vida acadêmica e pessoal dos alunos. Esse assunto me é muito caro, então, quando me deparei com o anúncio da Oxford 1, apesar de não haver qualquer surpresa, abracei a oportunidade de contribuir brevemente com minhas reflexões por aqui.
O Dicionário Oxford define brain rot da seguinte forma:
“A suposta deterioração do estado mental ou intelectual de uma pessoa, especialmente vista como o resultado do consumo excessivo de material (agora particularmente conteúdo online) considerado trivial ou não desafiador.”
O artigo que anunciou a expressão eleita pela comunidade com mais de 37 mil votos como sendo a palavra/expressão que melhor representa 2024 (com um aumento do uso de 230% entre 2023 e 2024), nos lembra da primeira vez que podemos encontrar um registro de seu uso. Trata-se de um importante filósofo americano que, depois de se graduar em Harvard, trabalhar como professor e também no negócio da família, decidiu que iria passar um tempo vivendo de uma forma bastante simples. Henry David Thoreau foi viver em uma pequena casa que construiu com as próprias mãos, há alguns quilômetros de sua cidade (Concord, Massachusetts) por pouco mais de dois anos.
Thoreau estava profundamente insatisfeito com o estilo de vida que observava na sociedade no meio do século XIX e ao longo de seu período envolto à natureza e às margens do lago Walden, manteve registros diários que mais tarde foram compilados e publicados em seu célebre livro intitulado: “Walden ou a vida nos bosques”2. O escritor, ao descrever um problema com o qual a Inglaterra passava, refletiu:
“Enquanto a Inglaterra se esforça para curar a podridão da batata, não se esforçará para curar a podridão cerebral – que prevalece muito mais amplamente e fatalmente?”
Em 1854, Thoreau já havia reconhecido um problema. Isso também nos mostra que esse problema não é novo, a Internet e as redes sociais apenas o potencializaram, facilitando o acesso a tais conteúdos. Em seu livro, Nação Dopamina3, a doutora Anna Lembke mostra correlações entre a busca sem precedentes por prazer e a epidemia de tristeza e depressão com a qual nos deparamos. No Brasil, observamos isso em primeira mão. Se estamos no topo da lista dos países que mais passam tempo nas telas, também estamos no topo de outra lista, a de população mais ansiosa do mundo. Ainda acha que é só coincidência?
Contudo, isso está longe de ser um problema local, o mundo todo sofre com o impacto do uso desenfreado das telas, como reflete a escolha da Oxford. Em seu bestseller “A geração ansiosa”4, o psicólogo Jonathan Haidt se debruça em explicar de forma detalhada e com extensa bibliografia, como o uso de telas e redes sociais já têm prejudicado de forma profunda e muitas vezes irreversível, crianças e adolescentes. Michel Desmurget, em outro bestseller que preciso recomendar, “A fábrica de cretinos digitais”5 também nos ajuda a compreender os impactos. E só para citar um exemplo de evidências abordadas por cada autor, Jonathan Haidt nos mostra que meninas adolescentes tendem a ser ainda mais afetadas que os meninos, muito devido às comparações de padrões corporais e de beleza inatingíveis e nada saudáveis encontrados nas redes sociais. Já Desmurget, lembra que recentemente o Efeito Flynn foi quebrado, ao conhecermos a primeira geração onde os filhos têm o quociente de inteligência (Q.I.) inferior ao dos pais, desde que seu autor o estudou, há décadas.
Ao mesmo tempo, nos deparamos com notícias de que estamos lendo cada vez menos. Não é à toa que também temos muita dificuldade em diferenciar uma notícia falsa de uma verdadeira, ou ainda, diferenciar o que é fato e o que é opinião. Nossa atenção também está cada vez menor e mais fragmentada. Mais uma vez, esse problema é global!
As grandes empresas de redes sociais estão entre as mais valiosas do mundo. Elas coletam, processam e analisam quantidades massivas de dados e podem predizer com uma precisão assustadora nosso comportamento e influenciar nossas decisões. Elas também empregam técnicas com base em psicologia e neurociência, que permite desenvolver algoritmos (a forma como seus aplicativos funcionam) de forma a nos prender por muito tempo lá, fornecendo mais dados a elas, que nos conhecem ainda melhor, retroalimentando o que já se tornou um círculo vicioso.
Meus esforços para fugir do brain rot
Em 2 de setembro de 2018, ou seja, há mais de seis anos (pré-pandemia, inclusive), eu escrevi um post neste blog com o título: “Por que não estou nas redes sociais”. De lá pra cá, o Linkedin tem sido a exceção, ainda assim, por pura necessidade. Agora, em janeiro de 2025, mais de seis anos depois, posso dizer que nunca estive tão feliz com a decisão que tomei na época.
Não sou perfeito, ainda sinto dificuldades em limitar meu uso de tela. Em alguns momentos isso é mais difícil. Por exemplo, na pandemia, onde notei que meu consumo de notícias explodiu, precisei tomar medidas para cuidar disso. Falei sobre isso nesse episódio do meu podcast, junto do meu amigo Igor Faustino que compartilha de várias opiniões minhas sobre o uso das redes sociais.
Recomendo ferramentas que ajudam a implementar limites no uso de telas, falo mais sobre isso num tópico abaixo. Por hora, é importante lembrar que os hábitos vão ditar o ritmo. Se você passa a buscar as telas em impulsos automáticos, incorporando isso nas diversas rotinas do dia a dia, como pegar o celular ao levantar da cama, entrar em filas, esperar em um consultório ou se deitar pra dormir, será mais difícil ter autocontrole, que é limitado e pouco confiável. Mudar ou substituir maus hábitos é muito mais eficaz. Tornar os maus hábitos difíceis, desinteressantes ou até invisíveis será de grande ajuda. Isso é o resumo do que eu tento fazer quando percebo que estou passando dos limites.
Limites
Para perceber que excedemos um limite é preciso ter esses limites muito claros e esse é o primeiro passo: defina os limites!
Cada um terá os seus, já que o nosso uso de telas varia muito, a depender de nosso trabalho, estudo, rotinas, etc. Por exemplo, se você depende do YouTube em suas sessões de estudo, você terá problemas ao usar ferramentas de bloqueio para o site. Contudo, existem extensões de navegadores que permitem bloquear quase todos os elementos na página do YouTube, como botões, vídeos recomendados, e assim por diante. Aqui, você encontrará algumas sugestões dessas ferramentas.
Você também pode usar os próprios recursos nativos do seu sistema operacional, como o iOS ou Android, para limitar o tempo de uso de aplicativos selecionados e definir um tempo diário específico para cada aplicativo. Eu uso, às vezes, um filtro no iOS para deixar toda a tela com tons de cinza. Isso torna o próprio uso do smartphone muito menos interessante, facilitando a substituição do hábito.
Definindo limites de tempo para aplicativos
Filtro de tons de cinza para a tela
Alegre-se por ficar de fora
Você deve conhecer ou ter ouvido falar do F.O.M.O. (Fear of missing out), o medo de ficar de fora que leva as pessoas a usar redes sociais e consumir notícias compulsivamente, com impactos na saúde mental a ponto de se tornar patológico. Há uns anos, me deparei com uma outra expressão, o J.O.M.O. (Joy of missing out), a alegria por ficar de fora, com a qual me identifico muito mais.
Isso acontece comigo de tempos em tempos no meio de conversas entre amigos ou colegas. Alguém me pergunta se eu conheço um meme ou algo que viralizou nas redes, ao que eu respondo: “nunca ouvi falar”. Eles brincam que eu preciso de um momento dos memes na minha vida. Para jovens que estão se desenvolvendo e sentem muito mais necessidade de serem aceitos por um grupo, isso é muito forte, portanto é mais difícil de lidar. Por outro lado, alimenta a cultura do brain rot. Quando penso no J.O.M.O., isso me traz alívio. Quando dizem, mesmo que indiretamente, que estou perdendo algo, vejo como um sinal de que não estou nutrindo meu cérebro com conteúdos banais, apodrecendo-o.
Minha mensagem aqui é muito simples: cultive a alegria de ficar de fora, isso significará que você está evitando receber e sobrecarregar seu cérebro com uma quantidade infindável de coisas sem nenhum valor. Gosto de comparar isso com uma dieta alimentar saudável. Da mesma forma que se você se empanturrar de alimentos com baixo valor nutricional, ficará fraco, com imunidade baixa e provavelmente com um corpo mal cuidado, diminuindo sua autoestima, inclusive. O mesmo se dá com a dieta informacional! Quanto mais conteúdos com ‘baixo valor nutricional’ consumirmos, mais isso refletirá em nossa saúde mental, o que afeta todos os aspectos da nossa vida!
Sintomas e maneiras de voltar-se para a profundidade
Sempre que passamos mais tempo distraídos, desfocados, teremos muito mais dificuldade em nos concentrar em tarefas cognitivamente exigentes quando isso for necessário. Portanto, desenvolver e levar um estilo de vida voltado para a profundidade não só nos fará mais presentes naquilo que fazemos cotidianamente, mas também nos fará mais felizes. Existe um estado que atingimos quando nos debruçamos em um atividade e, sem perceber, o tempo passa muito mais rápido. Este estado é descrito por Csikszentmihalyi6 como ‘Flow’ e o próprio autor o descreve como uma das razões para nos sentirmos genuinamente felizes. Contudo, não se pode alcançar o estado de flow quando nossa vida é rodeada por superficialidade.
Não é fácil cultivar um estilo de vida assim, mas vale a pena! Essas minhas palavras são apenas algumas reflexões pontuais sobre o tema. Menciono algumas estratégias simples que funcionam bem pra mim, mas sei que pode não ser suficiente para todos. No entanto, desejo que este texto sirva como um ponto de partida para você, leitor, se percebeu a necessidade de fazer mudanças para diminuir a bagunça mental que nos rodeia. Finalizo com uma frase para ajudar na reflexão:
“A tecnologia entra na vida de uma pessoa quando as relações humanas não ocupam o seu devido lugar.” - Sherry Turkle | Socióloga
Referências
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OXFORD. ‘Brain rot’ named Oxford Word of the Year 2024. Disponível em: https://corp.oup.com/news/brain-rot-named-oxford-word-of-the-year-2024/. Acesso em: 30 dez. 2024. ↩
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THOREAU, Henry David. Walden, ou A vida nos bosques. EDIPRO, 2018. ↩
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LEMBKE, A. Nação dopamina: por que o excesso de prazer está nos deixando infelizes e o que podemos fazer para mudar. Vestígio; 2022. ↩
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HAIDT, Jonathan. A geração ansiosa: Como a infância hiperconectada está causando uma epidemia de transtornos mentais. Companhia das Letras; 2024. ↩
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DESMURGET, Michel. A fábrica de cretinos digitais: Os perigos das telas para nossas crianças. Vestígio; 2021. ↩
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CSIKSZENTMIHALYI, Mihaly. Flow: A psicologia do alto desempenho e da felicidade. Objetiva; 2020. ↩